A quebra de bancos nos EUA pode produzir uma grande crise?

Não se fala de outra coisa aqui nos EUA. Desde a crise de 2008, quando centenas de bancos quebraram, não havia uma falência de instituição financeira tão impactante quando a do SVB, com mais de US$ 200 bi em ativos.
Não é apenas o tamanho do banco. É a sua centralidade no ecossistema de startups do Vale, que foi o grande gerador de crescimento econômico nas últimas décadas.
A carteira do banco é formada principalmente por empresas e fundos de private equity, além de fundadores e sócios dessas empresas. Ou seja, é o coração da nova economia digital.
Justamente por isso, o Vale foi inundado por dinheiro nas últimas décadas, o que fez os valuations explodirem, assim como a disponibilidade de recursos para projetos de qualidade duvidosa, para dizer o mínimo.
A tendência se acelerou durante a pandemia, com os lockdowns e o aumento da dependência dos serviços digitais. O dinheiro despejado pelos governos foi dirigido em boa parte para o setor, seja como investimento, seja nos seus serviços.
A ressaca veio com a mega onda inflacionária e a resposta dos BCs, aumentando os juros num ritmo que não se via há décadas.
O fator mais importante para a quebra do banco foi a decisão de alocar recursos em títulos mais longos e menos líquidos, que perderam valor com a alta dos juros. O problema de liquidez gerou uma corrida bancária, produzindo a sua falência.
Também é inegável o efeito da velocidade da circulação das informações, e do próprio dinheiro. Apenas no dia 09 de março, quando o banco anunciou que precisava levantar capital, foram mais de US$ 42 bilhões em saques.
O FDIC (FGC americano) garante até US$ 250 mil por conta, mas 89% das contas no Silicon Valley Bank têm valores acima desse limite. Na sexta-feira (10), o FDIC anunciou que os US$ 250 mil estariam disponíveis até segunda (13). Posteriormente, na noite de domingo (12), foi anunciado, em conjunto com o FED e o Tesouro, que o Fundo garantiria o resgate de todos os depósitos, integralmente.
Apesar do alívio, ainda há risco de corrida bancária generalizada. 1/3 dos depósitos nos EUA estão em bancos pequenos, e se os depositantes desconfiarem da higidez dessas instituições, pode acontecer uma corrida contra esses bancos. A última vez que isso aconteceu foi logo após o Crash de 29, e o efeito foi devastador.
O presidente Biden fez pronunciamento para tentar acalmar o público, afirmando que:
1) Depositantes não perderão dinheiro. Eventuais prejuízos serão assumidos pelo FDIC.
2) Investidores nas ações e bonds não serão salvos.
3) Diretorias dos bancos que quebraram foram afastadas.
4) Sistema é seguro, após mudanças feitas após crise de 2008. Novos projetos de lei apertarão regulação para evitar problemas que estamos vendo.
5) Economia está bem, com baixo desemprego.
Há um componente político por trás do socorro ao Silicon Valley Bank, visto que o Vale do Silício é uma fortaleza democrata, com suas empresas abraçando toda a agenda de esquerda, além de doarem valores substanciais às campanhas políticas democratas. Os mais ricos e poderosos investidores americanos investem em startups que poderiam até mesmo quebrar não fosse a decisão de garantir o valor integral dos depósitos.
Também pesou na decisão a projeção de pequeno prejuízo, na faixa de 5% a 10% sobre o valor depositado.
Qualquer que seja o caso, é preciso lembrar que o FDIC tem um fundo limitado. Mesmo que o valor a ser coberto pelo fundo projetado na casa dos US$ 10 bilhões, é uma fatia significativa do seu patrimônio, de US$ 130 bilhões. Caso mais bancos requeiram a intervenção do fundo, ele simplesmente não terá como estender a mesma garantia para todos os depósitos dos bancos americanos, que alcançam um valor de US$ 20 trilhões. Neste caso, como será explicada a preferência a certas instituições?
Surge novamente a discussão do “risco moral”, ou seja, ao resgatar o banco, mesmo que sem salvar os acionistas e seus diretores, os reguladores incentivam a tomada excessiva de riscos, pois as instituições acreditarão que haverá salvamento em caso de crise. Logo, a postura levaria a mais quebras no futuro.
Impactos no mercado
Outros dois bancos sofreram fortes perdas nesta segunda, First Republican Bank e PacWest Bancorp. Há uma torrente de saques que podem levar tais instituições a seguir o mesmo caminho do SVB. O ETF de bancos regionais, KRE, também apresentou queda da ordem de 10%, depois de 15% de baixa na semana passada.
O maior impacto foi nas taxas de juros. Os títulos de 10 anos emitidos pelo tesouro americano recuavam mais de 6%, a 3.50% a.a.; estes mesmos ativos negociavam a 4% a.a. na semana passada. Com o aparecimento das primeiras grandes vítimas do ciclo de aperto monetário em curso, o FED pode ser forçado a diminuir o ritmo da alta das taxas, ou até reverter a política antes do esperado. Depois de décadas de política monetária ultra-expancionista, a o alcance de endividamento recorde, parece que não há espaço para mais altas, sem consequências mais graves a todo o sistema, algo politicamente inviável.
Logo, aumenta o risco de entrarmos numa longa fase de estagflação, com juros relativamente mais altos que nos anos anteriores, assim como a inflação, entraves para o crescimento econômico global.
No curto prazo, há um grau de certeza relativamente elevado sobre a gravidade e profundidade dessa crise bancárias. Mas por enquanto, a expectativa é que isso não vire uma crise sistêmica como tivemos em 2008, visto que na época o grande problema era a existência de títulos podres (subprime) no balanço dos bancos. No caso de SVB e outros bancos sob stress, parece haver mais um problema de liquidez do que de qualidade dos ativos mantidos pelas instituições.
A próxima reunião do FED será muito importante para identificarmos se a autoridade monetária jogou a toalha, o que seria sinalizado pela manutenção dos juros nos patamares atuais, ou se permanecerá firme no propósito de trazer a inflação para a meta, através do aumento de pelo menos 25 pontos base na taxa básica.
Qualquer que seja o caso, seguirmos num ambiente bastante complicado no mercado, com alto nível de endividamento, inflação, risco de recessão iminente, sem esquecer dos problemas geopolíticos em vigência, como a Guerra da Ucrânia e o aumento do conflito entre EUA e China.